"Desconfio que a minha falta de paciência flui
feito água de biqueira rumo aos novos amores. Sei lá, ando sem um pingo de
inspiração para começos afetivos que tanto exige da gente. Logo, quero me
livrar da obrigação de um novo amor. Novo amor cheira a decorar tipos e jeitos
com sorriso comprazido, quase angelical. Novos amores surgem solicitando
invenções de nomes, fazer esforços para gostar das coisas mais loucas, tipo
jogar milhos aos pombos revoltosos com sol a pino nos feriados. Conciliar entre
meu espírito aventureiro e a alma folgada do novo amor que adora ficar em casa
preparando um churrasco para os amigos em pleno domingo. Novos amores exigem o mais
absoluto equilíbrio e a companhia singela das canções que não foram feitas pra
mim. Calculo que por sorte a gente encontra alguém que combina as metáforas,
mas até lá fico desanimada em fazer as tentativas e acumular amores clássicos
com lágrimas e xingamentos, resultados do abandono. Meu passado e o de todas as
minhas amigas é uma espécie de diário do desespero e lembranças enfastiadas,
conexão das pisadas e revezamento da solidão. Sei não, mas não ando animada para
nova sogra. Isso é como andar em planetas estranhos, esperando cruzar com
outras órbitas e desintegrar-se na apatia dos finais tão rápidos que a gente
nem desejou. Novo amor é aquela
tortura de comemorar datas sem saber se elas vão durar até o amanhecer. Grafar
o direito de absorver uma felicidade medrosa até que o sujeito descubra que a
gente é ciumenta, impaciente e ainda passa duas horas no cabeleireiro fazendo
chapinha que dura apenas meia hora após um carinho mais próximo. Fico nessa contramão, reconhecendo
que é bom amar e melhor ainda é não ter uma tonelada de canções para ficar
choramingando, quando a gente por acaso descobre que o amor era uma brincadeira
de ser feliz. Sei lá, não sou mais
receptora das pernas bambas, as mãos frias e a cobiça pelo garotão que mais
tarde irá arrancar uma porção de resmungos e marcas no rosto, simplesmente
porque resolveu chafurdar meu coração. Abrir espaço para um novo visitante
exige um começo personalizado de carinhos, apresentação de minhas áreas sem
lacre, com muito cuidado para que as divergências não fiquem expostas. Talvez
eu não esteja tão propicia a conhecer e me acostumar com as esquinas do outro.
Talvez eu esteja numa fase ímpar e as edições limitadas de romances com cheiro
de gente nova e uma cartilha de lições, causa sintomas de difícil compreensão
para o meu atual estado de liberdade. Poderia dizer que meu edredom nos últimos
meses só suporta o meu cheiro."
Ita Portugal
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